Entrevista com António Fortunato, o super-atleta campeão nacional 270 vezes
“ESTOU PREPARADO PARA CONTINUAR
A BATER MAIS RECORDES NACIONAIS”

Nasceu há 75 anos em Torres Vedras. Desde criança que mostrou aptidão para o desporto, praticou várias modalidades e acabou por se fixar no atletismo. António Fortunato soma títulos e recordes desde que foi para os juvenis do Sporting. Apesar de destacar como velocista, experimentou diferentes disciplinas do atletismo e pulverizou marcas nos vários escalões de veteranos até hoje.
O palmarés de António Fortunato é tão vasto, e singular em Portugal, que se o formos descrever ao pormenor ficamos sem espaço para a entrevista que nos concedeu. Mas podemos resumir.
Começou a correr aos 12 anos e aos 14 foi descoberto pelo Sporting, seu clube do coração, nos campeonatos nacionais escolares. Esteve no Sporting até aos 19 anos, onde alcançou o seu primeiro título nacional. Depois representou vários clubes do concelho de Torres Vedras até que chegou ao Ponterrolense, em 1988, onde ficou até aos dias de hoje. Ao longo dos 61 anos de carreira no atletismo sagrou-se campeão nacional por 270 vezes, 169 na Federação Portuguesa de Atletismo e 101 no Inatel.
Foi campeão nacional pela primeira vez aos 17 anos, em 1962, no Porto, com a camisola do Sporting. O 270º título foi alcançado em setembro de 2020, em Lisboa, nos campeonatos nacionais, ao serviço do Ponterrolense. Bateu 143 recordes nacionais, alguns deles impossíveis de bater, já que correspondem a distâncias que entretanto deixaram de ser praticadas, como os 4x250 metros.
Representou Portugal nos cinco continentes em 15 campeonatos da Europa, 11 mundiais e dois World Master Games (Jogos Olímpicos para veteranos). Atingiu as finais por 21 vezes e foi medalhado em 1994, nos Europeus da Grécia com a medalha de prata nos 4x400m; em 1996 com bronze nos 100m e 200m nos Europeus da Suécia; bronze nos 300m barreiras nos Europeus da Polónia; em 2009 com duas medalhas de ouro nos Jogos Olímpicos de Veteranos na Austrália, nos 100m barreiras e nos 300m barreiras; outra medalha de ouro nos Mundiais de 2011, nos EUA, nos 300m barreiras; bronze nas olimpíadas de Itália de 2013, nos 300m barreiras; e finalmente em 2917, prata nos Europeus na Dinamarca, também nos 300m barreiras.
Fora das pistas também já recebeu vários prémios. Foi condecorado pela Câmara Municipal de Torres Vedras com a Medalha de Mérito Desportivo (1976), Medalha de Mérito Grau Prata (1991) e Medalha de Mérito Grau Ouro (2008).
Como é que começou esta aventura no atletismo, há mais de 60 anos?
Aos 14 anos, juntamente com o Leonel Carvalho, o Humberto Sampaio e o Sérgio Simões, fomos representar a Escola Secundária Municipal no Estádio Nacional, às finais dos campeonatos escolares. Aí um indivíduo do Sporting achou que eu dava jeito lá no clube e levou-me. Ganhei uma medalha que está num sítio especial. Tenho três medalhas especiais: essa, que foi a primeira do atletismo; a primeira medalha de campeão nacional, no Estádio das Antas; e a primeira medalha da minha vida, na Física, tinha eu nove anos, num sarau anual de ginástica.

São muitos os recordes nacionais e representações ao serviço de Portugal?
São 28 campeonatos internacionais, 15 campeonatos europeus, 11 mundiais e duas olimpíadas, nos cinco continentes, em todos os escalões desde os 40 anos. A primeira vez que representei Portugal em campeonatos de veteranos foi aos 40 anos. Foram 21 finais nos oito primeiros lugares, desde 1992 na Noruega.
Mas também títulos de seniores...
Fui campeão nacional uma vez em juvenis, uma em juniores e 17 em seniores. Já fui campeão nacional em 21 disciplinas diferentes.
Já bateu 143 recordes nacionais e 82 municipais. Muitos deles ainda estão em vigor, qual é o mais antigo?
O mais antigo tem 27 anos, é da estafeta 4x400m. Eu, o Carlos Cabral, o Bento Baptista e o Joaquim Pereira batemos o recorde nacional M40 em 1994, com o tempo de 3:33,20, nos campeonatos europeus da Grécia, que até hoje ainda ninguém o conseguiu bater. Ganhámos a medalha de prata nesses campeonatos, em Atenas. Neste momento ainda sou recordista nacional dos 300m barreiras, M60, M65 e M70. Fiz 47 segundos e dois décimos na Polónia, já há 12 anos, e vai ser muito complicado batê-lo.
Para além dos recordes, que provas lhe deixaram boas recordações?
Uma das grandes recordações da minha vida foi nos campeonatos mundiais dos Estados Unidos, em 2011, nos 300m barreiras. Depois de fazer as meias-finais ficaram dois americanos que são especialistas em barreiras. E eu pensei que se conseguisse ficar atrás deles já ia ao pódio. Foi a prova da minha vida. Ainda hoje tenho o recorde nacional, 49 segundos com 65 anos, e eles foram quarto e sexto.

Para quem não está familiarizado com o atletismo, em veteranos há distâncias diferentes dos seniores, como por exemplo esses 300m barreiras?
A partir dos 60 anos deixa de ser 400 e passa a ser 300m. Assim como os 110m barreias depois aos 50 anos passam para os 100m e a partir dos 70 passa para 80m. A altura das barreiras também vai baixando, no escalão dos 75 anos é de 76cm, a mesma das seniores femininas.
Desde 16 de junho que passou para o escalão M75 e agora tem mais recordes para bater?
Sim. Fui correr no Meeting Internacional da Ilha da Madeira a 18 e 19 de junho e já foi no escalão dos 75. Os escalões mudam de cinco em cinco anos. Devido à pandemia os campeonatos nacionais de veteranos, no Estádio Universitário, foram adiados para setembro e vou tentar bater alguns recordes. No campeonato municipal fiz três provas no novo escalão e bati os três recordes, dardo, disco e 200m, que era do Francisco Vicente, quando ele tinha 75 anos.
Representou o Sporting em juvenis e juniores, mas como sénior não...
Não, porque entretanto o meu pai faleceu, eu deixei de estudar e fui trabalhar para a Recauchutagem Torreense. Aí o senhor Fausto desafiou-me para entrarmos nos campeonatos da FNAT (atual Inatel), tínhamos lá outros que já faziam umas provas de estrada e fizemos uma equipa de atletismo. Também representei o GD Runa antes do 25 de Abril, a seguir fui para o Sarge e estive ainda no Boavista-Olheiros. Depois vim para o Ponterrolense e já cá estou há 30 anos.
No atletismo já experimentou quase tudo, incluindo os saltos?
Sim, fiz salto em comprimento e em altura e no triplo já fui campeão nacional. Aqui há dias fiz o lançamento do martelo e quero ver se ainda vou fazer os 2.000m obstáculos. A vara é que tenho a impressão que não vou conseguir, aquilo é preciso um outro tipo de treino e na minha idade já é complicado, tem uma técnica especial, é muito difícil.
Foi treinador também?
Nos clubes por onde passei era atleta e treinador, no Runa, no Sarge, no Boavista-Olheiros e no Ponterrolense e na Recauchutagem Torreense.
Como é que viu o sonho concretizado de uma pista de atletismo no concelho de Torres Vedras?
Foi uma coisa pela qual eu lutei muitos anos, com sucessivos presidentes de Câmara, até que chegou a hora da sua efetivação. Torres Vedras merecia pelo número de atletas e de equipas que tem e as provas que se lá fazem. Tem todos os apetrechos para fazer todas as disciplinas do calendário olímpico, a gaiola dos lançamentos, barreiras de várias alturas, pesos e dardos de vários calibres, vala de água dos obstáculos, tem tudo.

Já se provou que mais dois corredores era um detalhe.
Era importante mas não era essencial. Temos tido atletas de primeira linha a correr ali no Paul, alguns estiveram nos Jogos Olímpicos. No peso fizeram-se ali lançamentos de mais de 20m, que é uma marca de grande nível internacional. Com a pista anterior tudo isto era impensável.
Aquela pista permitiu também haver o Meeting António Fortunato. O que sente com essa homenagem?
Satisfaz-me, claro, e eu também participo. A quarta edição foi precisamente no dia da missa do 30º dia da morte do Carlos Bernardes, no Turcifal. Estive na pista de manhã a entregar medalhas, fui à missa às 11 horas, vim a casa equipar-me e da parte da tarde fui correr. Estive na pista mas não podia falhar na missa, porque era um amigo como se fosse um irmão.
O treino vai-se adaptando à idade?
Pois claro. Mas treino quatro vezes por semana. Treino no ginásio, na minha sala de troféus, onde tenho tudo o que preciso, uns pesos, uma bicicleta, uma elíptica e uma passadeira que tem uma velocidade máxima de 22km/h. Estou apetrechado com tudo. Com aquilo posso fazer marcha, treino de fundo e séries de velocidade. Outras vezes faço 5 km a correr. Sem sair de casa.
Que diferenças vê no equipamento desde que começou a correr até hoje?
Sobretudo a pista. Correr numa pista de terra ou de cinza era uma coisa, correr no tartan é completamente diferente. Assim que se começou a correr no tartan os recordes começaram logo a ser todos batidos.
A tradição no atletismo português era o fundo e o meio-fundo e agora aparecemos a ganhar medalhas em disciplinas técnicas. Como é que isso se explica?
A evolução dos meios técnicos e o facto de termos treinadores especializados. Antigamente o Moniz Pereira dava um jeito a tudo, mas sabemos que a especialidade dele era o fundo, os grandes resultados que ele apresentou foi com fundistas. Agora com treinadores especializados para cada disciplina, tivemos a possibilidade de obter resultados no triplo e no comprimento. Depois há o CAR do Jamor com todas as condições para quem faz disciplinas técnicas.
No fundo e no meio-fundo é o contrário. Desde que apareceram os atletas africanos os europeus não têm hipótese?
Um grande fundista precisa de treinar muitos quilómetros, são muitas horas a correr, e a nossa juventude não tem paciência para correr durante tanto tempo. Também é verdade que os africanos ganham tudo porque têm umas condições fabulosas, aquilo é uma questão genética.
A sua vida desportiva não é só o atletismo?
Não. Joguei basquetebol no Sporting de Torres e na Física, futebol no Torreense nos juvenis e nos juniores, futebol de salão e futebol de 11 no Runa e andebol. Sou um indivíduo um bocadinho eclético. Meti na cabeça o ano passado que havia de acrescentar o título da marcha, fui aos 3km e estive quase a bater o recorde nacional, sem ser marchador. E fui treinador do futebol feminino no Torreense. Ainda jogo futebol nos veteranos do Ponterrolense.
No fundo, é uma paixão pelo desporto em geral e pelo associativismo?
Mandei agora encaixilhar o emblema de 50 anos de sócio do Torreense e já é o terceiro clube onde faço 50 anos de associado, para além do Atlético Clube Torreense, do Castelo, e do Sporting Clube de Torres.
Costuma dizer muita vez que o desporto permite que não tenha constipações.
É verdade e orgulho-me disso. Nunca tive doença nenhuma. Até agora com a vacina contra a Covid. Saí da vacina fui trabalhar, ao fim do dia vim treinar na elíptica onde fiz 10km em 21 minutos. A mim não me doeu nada.
Texto: Joaquim Ribeiro Fotos: Joaquim Ribeiro e Arquivo